Texto escrito e publicado em Junho de 2002, na Folha da Manhã. Ajuda a ilustrar um pouco as discussões iniciadas em torno do Loteamento Costa Rica, em andamento no GTA.
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Eldorado. O nome não poderia ser melhor escolhido, numa referência à lenda que contava sobre um país imaginário, uma região fantástica da América, pródiga em delícias e riquezas. A origem do mito remonta à época da conquista do Equador, quando um indígena relatou a um conquistador que havia visto, em determinado lugar da selva amazônica, um homem coberto de ouro: homem dourado, hombre dorado, el dorado. Rapidamente o nome passou a identificar também o país fabuloso e cheio de riquezas onde vivia tal homem.
Transpondo os séculos até nossos dias, podemos identificar nesta lenda elementos úteis para abordarmos a situação em que se encontra o nosso Eldorado - o bairro.
No final da década de 80, o loteamento foi vendido como um investimento imobiliário promissor por se configurar como uma extensão do já então valorizado Muarama. E certamente não se tratava de lenda: a posição do loteamento em termos da malha urbana e dos vetores de crescimento da cidade, bem como seus atributos topográficos que lhe conferem uma visão privilegiada da cidade, atestavam os argumentos publicitários. Era mesmo um Eldorado e não foram poucos os que partiram em busca da conquista de um quinhão deste paraíso.
Mas da mesma forma que o Eldorado - a lenda - continua perdido no meio da selva amazônica, o Eldorado - o bairro - teve seu desenvolvimento sufocado pela dificuldade de acesso e pelo isolamento dos vetores de crescimento urbano então manifestados na região. Quase vinte anos foram necessários para que a Administração Municipal se sensibilizasse e transformasse em ponte o precário acesso que permitia a transposição do Córrego São Francisco em direção ao bairro; mais recentemente, depois de inúmeras reivindicações, procederam ao “enterro” do indesejável mata-burro que cortava a via pública, em plena área urbana. Apesar dos mais pessimistas afirmarem que talvez o mata-burro tenha-se ido antes de sacrificar todos os asininos que deveria, pode-se acreditar que, afastadas as perspectivas de risco à vida, os indivíduos detentores de responsabilidades e poder de decisão possam voltar a circular pelo local e conjecturar sobre o futuro daquele imenso feudo rural em torno da qual a cidade foi obrigada a se desenvolver.
A lei Nº 10.257, de 10 de julho de 2001, denominada Estatuto das Cidades, de cuja discussão e regulamentação a edilidade passense parece covardemente se furtar, por medo das implicações e complicações políticas que dela hão de advir, é sem sombra de dúvidas um poderoso instrumento em favor da sociedade.
Em seu artigo primeiro, estabelece normas que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio mbiental. Dentre as diretrizes gerais ali fixadas, podemos encontrar instrumentos de controle do uso do solo, de forma a evitar, entre outras coisas, a utilização inadequada dos imóveis urbanos, a proximidade de usos incompatíveis e inconvenientes, a retenção especulativa dos imóveis urbanos que resulte em sua subutilização ou não utilização e a deterioração de áreas urbanizadas.
Para quem não circula freqüentemente pelo bairro o último parágrafo pode parecer jurídico demais, mas para os moradores e freqüentadores mais assíduos aquelas palavras são a descrição exata, fotográfica até, do panorama que se observa.
A utilização daquelas áreas para criação de animais ou plantação de forrageiras, não poderia ser mais inadequada, inconveniente e incompatível com o ambiente urbano. Afinal, é de memória recente a cruzada da Administração contra os criadores de animais em quintais de terrenos urbanos; a diferença aqui talvez seja o tamanho do quintal, para não entrar em considerações político-partidárias.
Observando sua posição estratégica quanto á malha viária local, não há como não pensar em retenção especulativa, que leva à subutilização de uma área de extremo interesse para o desenvolvimento urbano daquela região.
Quem segue pela avenida José Caetano de Andrade, em direção ao Eldorado – o bairro, é surpreendido por sua abrupta interrupção e obrigado a mudar de via, seguindo pela contramão. Desta margem do córrego o que se observa é um panorama de extrema deterioração urbana, com a proliferação de moradias insalubres, matagais, animais sendo criados soltos a beira de um córrego sem nenhum tipo de proteção.
Sem qualquer intenção de questionar o inalienável direito à propriedade, é imprescindível que se inicie uma discussão em torno do tema, sob pena de comprometer ainda mais o desenvolvimento urbano daquela região. É extrema falta de responsabilidade pública continuar permitindo o crescimento da deterioração do local em detrimento de uma ocupação socialmente mais justa, urbanísticamente mais desejável e economicamente mais rentável.
É preciso devolver as condições necessárias para que o Eldorado – o bairro, possa revelar à sociedade todo seu potencial de riquezas e delícias, valorizando a composição urbana de nossa cidade.
Ivan Vasconcellos - Arquiteto
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