Por Mauro Ferreira
A garantia do direito à moradia está expressa como um direito fundamental do povo brasileiro na Constituição. No entanto, essa garantia somente se realizará se houver políticas públicas sociais que de fato a concretizem, saindo da retórica para a prática social.
No Brasil, o processo de urbanização em curso já colocou mais de 80% de sua população nas cidades, cujos problemas tem se avolumado. Lembro que, na época da Constituinte, ainda nos anos 1980, eu e o Luiz Cruz fomos à rua coletar assinaturas para a proposta de um projeto de lei de iniciativa popular de décadas atrás que instituiria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, o que foi ocorrer de fato apenas em 2005, já no governo Lula. Ou seja, trata-se de uma luta antiga.
A criação do Ministério das Cidades e do Conselho das Cidades, a partir de 2003, com ampla participação social, propiciou uma real interlocução com a sociedade e os movimentos sociais por moradia, trazendo o tema da habitação como um elemento central para discussão. A partir do segundo mandato, o governo Lula criou o Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC, num esforço inédito nas três últimas décadas de planejamento e investimentos públicos em infra-estrutura, energia, transportes e habitação, aproveitando o crescimento econômico do país. Os canteiros de obras disseminados pelo país tem enfrentando falta de trabalhadores especializados e escassez de materiais básicos como o cimento, dado o aumento da demanda gerado pelo PAC e pela aceleração do crescimento econômico.
Mas há uma outra realidade, bastante conhecida mas pouco divulgada: o das pequenas obras nas periferias, pequenas reformas e adaptações das moradias dos trabalhadores de menor renda feitas em mutirão por ajuda-mútua ou autoconstrução, cujo consumo de materiais básicos como o cimento, por exemplo, faz possível a existência dos pequenos depósitos e estabelecimentos comerciais de materiais de construção.
Segundo o arquiteto Ângelo Marcos Arruda, Presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas - FNA, “essa informalidade carrega um antigo problema: a população constrói sem o auxílio técnico profissional, ou por que ele não está disponível aos seus olhos, próximos de sua casa ou porque seus serviços são caros e inviabilizam a sua contratação. Isso acontece com arquitetos e engenheiros que com seus escritórios mais centrais e com preços de serviços profissionais cobrados em valores para a classe média, inibem o acesso de pessoas de menor renda”.
Em Franca, uma parceria construída a partir de uma experiência da Delegacia local do Sindicato dos Arquitetos com a Prefeitura, desde a década de 1980, que se tornou a lei do programa Teto Seguro (convênio com a Associação dos Engenheiros e Arquitetos - AERF), tem garantido assistência técnica à autoconstrução, reduzindo os defeitos e vícios construtivos, os esforços e o desperdício, melhorando também a qualidade ambiental das moradias, com iluminação e ventilação adequadas.
Esta experiência local, em futuro cada vez mais próximo, deverá ser obrigatória em caráter nacional, pois tramita no Congresso Nacional o projeto de lei, de autoria do Deputado federal arquiteto Zezéu Ribeiro- PT/BA que baseou-se noutro projeto do ex-deputado arquiteto Clóvis Ilgenfritz-PT/RS (sobre o qual se assentou o embrião local do Teto Seguro). O projeto, segundo a FNA, “dispõe sobre a criação de um serviço público de assistência técnica para a habitação social, ou seja, é como um SUS para a arquitetura social. O cidadão com renda familiar de até 3 salários-mínimos, vai ter direito, gratuitamente, aos serviços de profissionais da arquitetura e da engenharia, que serão remunerados pelo Estado e ter seus sonhos de moradia, encaminhados. Essa prática de assistir tecnicamente à população com menor renda já é consagrada no direito, com a defensoria pública; na assistência social, na saúde, na educação e na segurança pública e agora, com a aprovação desse projeto, a moradia faz parte desse grupo de possibilidades para acesso do povo mais pobre”.
O PL citado está em tramitação no Senado, e espera-se sua aprovação para o próximo ano. Com a sanção do Presidente Lula, milhões de pessoas, nos próximos anos, terão direito ao projeto de arquitetura e engenharia e a devida assistência técnica, essenciais para realizar na prática um direito constitucional, o da moradia.
Mauro Ferreira é doutor em Arquitetura (EESC-USP) e professor da FESP-UEMG.