sábado, 26 de abril de 2008

Como pensar o futuro da cidade

por Ivan Vasconcellos

O momento da comemoração do sesquicentenário da cidade de Passos é bastante oportuno para resgatarmos a importância histórica de um personagem que ainda não mereceu o devido reconhecimento por suas realizações.
O ano de 2008, além dos 150 anos de existência política de nossa cidade, marca os 120 anos de nascimento de
Lourenço Ferreira de Andrade, ex-deputado estadual e prefeito de Passos por 18 anos, entre 1927 e 1945.
A coincidência numérica reúne dois nomes que deveriam ser indissociáveis em sua história; nem mesmo os mais ferrenhos adversários políticos seriam capazes de negar a paixão de Lourenço pela cidade de Passos e sua inestimável contribuição para a consolidação urbana do município.
Se a existência política da cidade é contada a partir de 14 de maio de 1858, sua consolidação urbana deveria ter como marco o dia 17 de maio de 1927, quando Lourenço de Andrade assumiu pela primeira vez, o governo do Município. Recebeu um município vasto, com população estimada em “43.000 almas” distribuidas em mais de 1.600 casas, sem rede de água, sem rede de esgotos, ruas em estado precário, praças “entregues à vegetação espontânea”, postes de iluminação e telefonia mal dispostos, enfim, uma cidade sem obra alguma de conservação.
Possuia, já naquele momento a exata dimensão do que deveria ser o futuro da cidade, que hoje se confirma. Usando suas palavras, transcritas do Relatório Administrativo de 1927/1931: “Se pelas condições geográficas e pelas circunstâncias do desenvolvimento férreo e rodoviário, e pelo espírito harmonioso e empreendedor do povo, Passos tem de ser um grande centro de comércio e indústria, com maior razão há de ser um invejável posto de medicina e cirurgia” (em referência aos relevantes serviços já prestados pela Santa Casa, menina dos seus olhos, à qual dedicou grande parte da sua vida como médico e provedor)”.
Mostrando grande visão administrativa, seu Plano de Urbanização, visava “ tornar a cidade bela, higiênica, confortável, enquadrando-a nas melhores normas do urbanismo moderno”. No mesmo relatório, Lourenço expõe uma interessante avaliação da cidade, onde destaca como complicadores a baixa densidade populacional de 223 m²/hab e a dispersão urbana pelos cinco arrebaldes afastados uns dos outros. Entendendo a necessidade de adensar a ocupação, com o fim de otimizar as melhorias das quais a população carecia e dar um caráter de unidade urbana à cidade, estabeleceu duas metas como forma de administar estas irregularidades: dividir a cidade em zonas urbana e suburbana e condensar a população na parte central, evitando que se estendesse pelos subúrbios. Com este objetivo utilizou o projeto da rede de água encanada, para delimitar uma área dentro da qual a edificação poderia ser até triplicada, bem regularizada e obedecendo a um plano de desenvolvimento mais adequado às condições naturais da cidade.
Além de dotar a cidade de um moderno sistema de abastecimento de água - um dos seus principais feitos, pondo fim a um problema que, desde 1889, se constituia no principal objetivo da administração pública - estendeu a rede de esgotos, construiu galerias para águas pluviais, que destruíam as ruas com enxurradas, além de fazer o calçamento e asfaltamento das principais ruas da cidade, dotando-as de sarjetas e meios-fios adequados.
Remodelou as praças da Matriz - com a criação de um belo jardim, de inspiração européia e traçado harmonioso, sóbrio e limpo - e do Rosário, onde idealizou um parque com grandes árvores de sombra, alamedas asfaltadas e espaços gramados com play-ground para a “natural educação física das crianças”.
Em 1933, já defendia a construção da Avenida Municipal sobre o córrego do Arouca, obra que, além do saneamento a ser proporcionado nos terrenos “margeados de pântanos, pastinhos e matagais”, viria a integrar ao centro da cidade uma grande zona para construção, promovendo o adensamento que sempre defendeu.
Seu plano rodoviário tinha o objetivo de fazer “convergir para Passos o comércio num raio de 10 léguas”, colaborando para integração do municípo às principais regiões do País através da ferrovia e das auto-estradas. A construção de uma ponte em concreto ou estrutura metálica sobre o Rio Grande, aproveitando os pilares da ponte de madeira existente, chamada Suruby e a consolidação da ligação com o Triângulo Mineiro e aos estados de Goiás e Mato Grosso, através da estrada de Sacramento já eram pleitos seus junto ao Governo do Estado em 1930.
Em resumo, grande parte da cidade como a conhecemos, se desenvolveu e tomou forma a partir da administração de Lourenço Ferreira de Andrade e por isso deveria merecer uma citação mais expressiva, sobretudo junto às escolas, destacando a atuação de um administrador cuja visão criou as condições necessárias para o pleno desenvolvimento urbano e econômico de Passos.
Resta-nos desejar que o seu compromisso, envolvimento e visão administrativa de longo prazo, sirvam de inspiração para os candidatos que postulam a Prefeitura de Passos, que, até o momento só fazem pensar em sí próprios e em seus partidos, deixando a cidade esquecida, como há várias décadas.

Ivan Vasconcellos – Arquiteto, neto de Lourenço Ferreira de Andrade

(Texto publicado na Folha da Manhã, coluna Opinião, da edição de 25/04/2008)

2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente iniciativa. Urbanismo não se faz apenas com uma idéia no futuro, mas também com as experiências do passado. Muito interessante o Relatório Administrativo. Onde é possível ler o original?
Mauro Ferreira

Anônimo disse...

Mauro,
Eu tenho apenas uma cópia xerox dos relatórios, que me foi fornecida pelo Antõnio Júnior, que acho que faz parte do departamento de História da FESP. Ele desenvolveu uma tese de mestrado sobre o período de Lourenço na Prefeitura.